Ensaio sobre o dia em que me perdi.
Perdi-me de mim,
perdi-me de mim no unico sitio em que me perco, em casa, na tranquilidade, na estabilidade.
perdi-me de mim nas raizes e nos laços de segurança, de confiança. Perdi-me de mim na rotina angustiante da falsa liberdade, do dia-a-dia sempre igual, dos rios que correm para o mar sem força para saltar as margens, da paixão cinzenta, monotona, inexistente, têm o fogo de uma vela electrica dentro de uma igreja, é falsa, é só uma ilusão.
Perdi-me no dia em que me encontrei adulto, perdi-me de mim no dia em que deixei de correr atras das nuvens, de inventar formas… perdi-me de mim no trabalho, no sorriso dos colegas, na pausa para café e naquele cigarro fumado como um ritual… perdi-me de mim no dia em que não me despedi com medo do que me podia trazer o futuro, perdi-me de mim com aquele horrivel guarda-chuva aberto, perdi todas as gotas de chuva, que parvo que fui…
Perdi a rua, perdi a lua cheia, as estrelas, perdi sorrisos desconhecidos, noites de amor, poesia vivida, perdi o som da natureza, da minha natureza, da tua natureza selvagem que me cavalga noites inteiras.
Perdi a noção da realidade, perdi a capacidade de ler, de escrever, troco letras, troco sons, estou perdido nesta gaiola dourada……
Perdi-me de mim… mas ter essa noção é o primeiro passo para me encontrar… e então que assim seja, que venha a estabilidade da incerteza, que venha o amor platónico e a tristeza depressiva, que venha o bom vinho em boites chiques e tres copos de bagaço na favela, que venha o corpo que sempre sonhei enrolado na sua alma cheia de luz branca mas que seja precedido da escuridão de corpos vádios como o meu…
Perdi-me de mim… mas nunca perdi a paixão pelo amor nem o amor pela vida, perdi-me de mim, mas o amor pode salvar-me.
Giacomo Casanova do Bairro Alto